domingo, 21 de março de 2010

Tenho vontade de jogar todas as pessoas do mundo num liquidificador para que não haja indiferença entre elas, e os olhares reconheçam cada alma em sua mais profunda vastidão.

quinta-feira, 11 de março de 2010



A menina caminha. Ao invés de parar, ela dança pra descansar. A tal menina teme tudo que tire sua paz interior. A menina tem medo. Ela chora muitas vezes sem saber o porquê, chora onde estiver. Chora todinha por dentro. Chora de encantamento por qualquer coisa que lhe transmita um significado. A menina carrega uma carga de sensibilidade tão imensa, que até ela própria se espanta como tudo isso pode fluir dentro do seu coração de carne.

A menina sangra. Sangra porque carrega o vermelho da arte. Ama o desconhecido, ama alguma coisa grandiosa que ela ainda não sabe o que é. Alguma coisa que a espera em alguma dessas paradas, durante a sua caminhada. A menina sente. Sente que algo espera por ela. Algo que não pode ser tocado, ouvido, tampouco descrito.

Olha para sua sombra enquanto caminha. Olha e vê todos aqueles que estiveram junto dela, todos aqueles refletidos na mesma areia, no mesmo mundo. Todos aqueles homens. Todos eles que, um dia, já foram responsáveis por tirar a paz do seu coração. Mas responsáveis também por lhe fazerem feliz em algum momento de sua caminhada. Esta tão vulnerável muitas vezes, porque a menina encontra o pai todos os dias quando olha para dentro de si. O pai e "sua alegria escandalosa, vitoriosa por não ter vergonha de aprender como se goza." A menina quer toda a pouca castidade do pai, "toda a sua louca liberdade, toda essa vontade de passar dos seus limites e ir além." Quantas saudades ela sente desse pássaro!
Essa menina aprendeu com ele, até os 14 anos, que um homem realizado tem que ter escrito um livro, plantado uma árvore e constituído uma família. O pai fez tudo isso. E a alma da menina sorri.

A menina quer criar uma passarela porque tem sonhos e quer que as pessoas os percebam. Essa menina tem o sonho de viver no circo. É só um jeito de viver nesse mundo de mágicas e mudar o espetáculo da vida. Ela quer sentir "a evolução da liberdade até o dia clarear." Quer dançar "na corda bamba de sombrinha mesmo sabendo que em cada passo dessa linha pode se machucar." Mas a menina quer tentar. Quer o equilíbrio da bailarina que fora até os 12 anos de idade. Quer se apaixonar por um palhaço malabarista. É um dos maiores sonhos da menina a vida no picadeiro. 

A menina quer e precisa dos pés da mãe para abrir todos os seus caminhos. A mãe que começa com Maria, nome tão admirado pela menina. Ela o sente forte tal como a mãe. E para essa mãe, em seu último aniversário, a menina  escreveu: Voa, passarinha, pois a vida veio ver-te. Mas me leva sempre contigo, em qualquer instante de pouso.
A menina também admira os artistas. Um de seus sonhos é casar-se com um deles. Ela gosta que lhe pintem a alma, fotografem sua essência, escrevam para o seu coração. A menina quer ser descoberta. Cansou-se das conquistas corriqueiras, criou pavor pela superficialidade alheia. Hoje, anda com um escudo, mas não deixa de lado a arte de ser livre.

A mulher quer morar com o seu marido no Poço da Panela, andar de bicicleta todos os dias no fim da tarde e continuar regando a sua primavera interior para o resto da vida. Ela ignora o fim do mundo em 2012 ou discussões do gênero, pois quer continuar sonhando. Acredita que o mundo sempre existirá enquanto o homem não esquecer ou desistir dos seus sonhos.
Enquanto a menina passa a tarde no balanço do parque com as amigas, a mulher prefere entrar pela madrugada embriagando-se de felicidade no boteco mais barato do Recife, deixando a marca do seu batom vermelho nos copos de vidro do recinto, absorvendo a energia do ambiente que lhe deixa tão à flor de si mesma. Ela presta atenção aos personagens da noite, tem um verdadeiro fascínio por eles. Os bêbados, poetas, ladrões, mendigos, prostitutas. Estuda mentalmente a alma das ruas durante a madrugada. Ela quer conhecer sempre.

A menina, a mulher querem experimentar. Querem continuar tendo a sensação de que falta algo em suas vidas que não sabem o que é e, talvez, nem queiram descobrir. Eu acho que elas preferem que a tal coisa mantenha-se oculta, para, desse jeito, poderem dançar em todos os salões, visitar o abraço de todos os mundos. Mas querem se proteger, também. Como essa menina mulher se cansa de querer ser. Às vezes ela quer só o quarto dela, porque é o mundo que só ela compreende - o único lugar que tem o poder de transformar ao seu jeito. Ela põe suas músicas prediletas, acende um incenso ou o réchaud amarelo e procura se comunicar com os astros, deitada no tapete verde. Pinta isso, cola aquilo, mexe no painel de fotos, enche as paredes de quadros e figuras que carregam uma história, um espírito singular. Abre uma cerveja de vez em quando. Ela tem uma máquina de escrever em cima do birô - é apaixonada por coisas antigas. A máquina de escrever é da sua mãe, guardada há mais de 25 anos...

A menina e a mulher caminham juntas, lado a lado, de mãos dadas - as duas. Às vezes, elas correm, ansiosas, em busca do que está além do material. E até tropeçam. Mas a menina, por ser mais nova, levanta-se primeiro e ajuda a mulher. Elas seguem dessa forma, em direção as galáxias cintilantes que as atraem.
Elas querem encontrar a Pasárgada de cada uma.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O (re)encontro da energia com a saudade

 
Os pincéis sujos da última noite ainda desbotam, mergulhados no mar de cores claras. As cores usadas no contorno dos dois corpos, que sentados, assistem, lado a lado, a mais um encontro encantado. Já que ninguém cometeu a loucura de assassinar a distância (ainda), eu e ele abrimos os olhos da alma para a magia que enche a nossa atmosfera de bolhas de sabão que bailam no ar, transformando nosso momento num cenário de sonhos. Afinal, o nosso mundo tem o tamanho dos nossos sonhos. Dessa vez, pintamos o reencontro da energia com a saudade, amanhecemos junto com o dia, rompemos a superficialidade, abraçamos a imensidão de nossos desejos, olhamos nos olhos buscando a confirmação dessa corrente particular. Absorvido. "Eu não quero gastar esse amor, eu quero lembrar dele assim, pra sempre."